Prosa em verso sobre o infinito questionamento vida céu inferno [ou Compilação sobre a estranheza de não ter sido]


Ei!
Era provocação.
Eu?
Claro!
Estapeava-lhe a cara.
“claroclaroclaroclaro” – ecoava numa guitarra que soava um baixo.
Clara era o nome dela. A guitarra. Clara.


Perigo por perto!
Vinham das ruas e seus gritos desleixados.
Em vez de sangrar rebeldia, era puro.
Voava baixo, ouvia seus pais.
Virginal.
Formaria família e teria netos indecentes.
Tudo normal, tal e qual.


“claroclaroclaroclaro”
Clara perturbava-lhe o sono.
“Bom-dia, América.”
Na tevê, a vida que deveria.
Vovó sentada, Alzheimer.
Nos sons disformes de Clara, a vida que não.
“merdamerdamerdamerda”


O cinema veio antes com paixão à primeira vista.
As novas películas da MGM e da Twentieth Century Fox.
“O homem que não vendeu sua alma ganhou Oscar.”
“claroclaroclaroclaro” ria ecoava.
Debatia-se com o peiote na mão.
Hesitação.
Os sons da caixa estéreo – lançamento! – e do foguete de 68.


Alzheimer isquemia paralisia cerebral
Virgindade intolerância dor de dente surreal
Dose dupla de uísque cocaína universal:
Religião.
Outra dose outra dose outra dose outra dose
“claroclaroclaroclaro”
Claro, Clara!


Só pra ele fazia sentido, adolescente.
Semsom semtom semsação. Vazio na alma.
Já tomava ácido para deleitar o espírito.
Teria netos decentes mas não formaria família.
Levaria todos em excursão de turismo ao Vietnã.
Entrava em avião barulhento e saía mudo pensando em crianças seminuas correndo do inimigo.
Sombrio. Taciturno. “Nunca mais.”


Claraboia entreaberta.
Parede quarto escuro – tesouro à esquerda, na segunda prateleira.
Precioso. Só poderia imaginar.
Clara gritava melodia desafinada.
Dizia que era o outro lado da moeda, declamava música, já não cantava.
“Tradição grega, baby.”
Tudo às claras. Menos os olhos fechados.


Era o tempo todo bom, o tempo todo bom.
Mas os olhos vermelhos. A alma vermelha.
Eram ácido e sangue.
Fazia sentido tocar Clara sexualmente.
Erótica-mente. Masturbação o dia todo.
Tarde demais.


A estrada que o conduzia ao necessário era curta.
Caminho do diabo. Frio dos diabos.
Outra dose outra dose outra dose até vomitar sangue e ácido e uísque.
“A morte é logo ali; a vida está perdida adiante, querido.”
“Meu filho, que verdade é esta que só você vê?”
Minha escolha, pai. “claroclaroclaroclaro”
À noite, procurava os amigos.


“Pega leve, baby.”
“Tarde demais, Clara.”
“O senhor aceita a música como sua legítima esposa?”
“Sem aporrinhações? Sem contrato? Aceito.”
“E a senhora?”
Clara hesitou. Como ele já o fizera. Disse sim tímida.
Então ele disse “Tarde demais” e foi morrer sozinho.


O fim.
“Não está certo.”
Quis voltar; sabia que teria netos nem bons nem maus.
“Sim papai sim mamãe nós te amamos” etc.
A tevê estava ligada no mudo. Que nem seu futuro.
Mas seu passado gritava como uma guitarra que soava um baixo.
Em Paris, fazia frio. A Oeste, a vida prosseguia sem graça. “claroclaroclaroclaro” etc.

Published in: on 18 de março de 2012 at 13:02  Deixe um comentário  

Poema caricatural e mal-feito a partir da reflexão sobre a poesia inspirada pela releitura de Breves Cantares de Nós Dois


Um poeta suburbano
Mentoou estes cantares
Que canto com cortisia,
Cortisona e brevidades
(Não nego minhas origens,
Sou cantador de cidades)
Pra falar de repitidas
Rotinas, trivialidades.


(Sem ritimessem compasso
‘metendo barbaridade
Pra caber tudo tinindo
No espaço diú’a saudade
Que sinto crescer no peito
Por tantarbitrariedade
Quencontrei nesse mau mundo
De meu deus nossossenhor –
Chega desafina a rima
Diante total pavor
Dos is ficarem sem pingo
Do diabo ser tentador
De se perder dentro em si
Por total falta diamor.)


Mas me perco em desatino
Como é comum de pensar:
“Poeta serve pra nada
Que não pra falar de mar” –
E mar é onda que bate
E onda é mal de matar
E morre tudo afogado
Em porto de não-chegar.


“Poeta fala do óbvio” –
Seguem a tagarelar –
“Complicam tudo qué fácil
Só pra não se desmudar
E dizer que era mais claro
Mais viver que atormentar
Coesse monte de palavra
As coisas de seu lugar:
Comida que vai na boca
Pros pulmões vai todo ar
Chinelo pro pé cansado
E o amor, pra outro lar.
Os poeta muda tudo
Só pra não ter dencarar
Que o amor é mole mole:
É só questão de se amar.”


O que eles não entende
É que amar vem de há-mar;
Que as onda que bate fora
Bate dentro sem notar
E que amor não é tão simples
É porto de não-chegar.
(Repito de verso antes
Sem tentar nem disfarçar
Que tem dito que é redito
Pelo ato de contar
E nem assim gente aprende:
Não sabe diferençar.
Fica o dito por não-dito
É melhor que não rimar.)


Eu não sou pobre ou roceiro
Mas me permito imitar
Com toda pompa e respeito
Os cantos do ser tão-mar
Que uso pras tais toadas
E por puro acreditar
Que sabem mais do que eu
Das coisas de céu e ar.


(E se deus existe mesmo
É n’ato de poemar
Sangue veia pulso vida
Pra todo amar que há-mar
Que desconheço de vista
Mas conheço douvir falar
De poemas tão melhores
Sobre que arrisquei cantar
Em sete estrofes malfeitas
Mas puras de soberbar.
Se não fui muito gostado
É melhor só me culpar
Que cantor não há pior
Que o que não sabe parar
Que tem cabeça nas nuvens
E o corpo noutro lugar.
Mas não é cantor quem diz
Que é outro o seu cantar:
Poeta fala de amor
Quantas vezes precisar
Até neguim aprender
Que é doce morrer no mar…)

Published in: on 19 de novembro de 2011 at 01:22  Comments (1)  

Para o Maestro que desconheço:

que exale poesia! que exale poesia! crisalis poesia!
enxame poesia
inflame poesia
(infame poesia)
reclame poesia
reclame-poesia
in dubio pro-esia
Esia. Esia. Rasante.

(Para Cecília Meirelles)

******

Olhos castanhos. Cabelos sobre-enrolados. Um relógio no pulso – digital. E ela destoava.

Mochila no colo. Não era capaz de pegar uma cadeira para apoiá-la? Garçom… Dedo na boca, roía roía roía a roupa do rei de Rima. Eu, de uma vontade incontrolável de fazer poesia com seus braços. Ela, sem qualquer vontade de ouvir uma linha. Imagino o perfume. Imagina; rosto de menina.

Pernas tortas, tímida. Nos violões à frente, cheiro de harmônicas. Sinestesia danada de formas. Ela, atrás, pernas tortas, tímidas.

No fim que (me permito) nos concebo, nada além de luzes apagadas e bocas braços braças de embaços. Arrepios. Pequenos sustos de onde viemos parar, meu Deus. Dois dedos de afastamento. Adeus.

Bonita história de amor provinciana.

Desatei a fazer poesia que não sabia.

Published in: on 8 de novembro de 2009 at 03:21  Comments (2)  

diálogos com o sol (a filipe couto)

– Ah!
     (se não funciona, deixa quieto
     e respira três segundos)
     dois
               um
     com caneta:
     DEZ
COM
     INSTRUÇÃO
(o lirismo tá na alma do negócio)

– Ah!
     (essa coisa de doer
     tsc, sei não)
     tudo
            nada
     a lápis:
     DEZ
EM
     CANTOS
(vale o dito: dois menos um igual a)

– Ah!
     (pra não morrer de tristeza,
     que não paga a pena)
     sim
            talvez
     na areia:
     DEZ
TROÇOS
(coleção de ondas do mar)

Published in: on 16 de junho de 2009 at 23:26  Comments (8)  

poema-piada (a oswald)

escrito em tabuleta, tintas tortas:
TEXTO SOB ENCOMENDA
aceito ofertas de quem dá mais
dou-me barato
e estou de graça

(e claro que luas e estrelas e serafins de sóis claros estão no menu)

Published in: on 16 de junho de 2009 at 23:05  Comments (5)  

Poesia militante

Anotou rápido num papel com caneta emprestada de outro que precisava escrever uma música em inglês que nem Os Mutantes naquela versão da música do Caê “Baby” em que eles diziam que “você tem que aprender inglês” em inglês e por causa disso virava “você precisa aprender português” mais ou menos “it’s time now to learn portuguese”. Metido que era, fez. Arrependeu-se.

Six degrees

I look through — don’t mind the bollocks, what a cliché!
I look through (insistently) – and beyond,
where there’s nothing but a beer from Cochabamba,
a butter flies out, incredibly,
milkly above the Milk Way.
Unreal.
Surreal-Dalí.
Clearly they want to steal (stolen) my mind.
In case of “freeze-or-I’ll-shoot”-“life-and(or?)-death” manners,
don’t think: feel the breeze.
Let it flow/blow/grow
show yourself! Out of the room!
Surrender to the spirit of NOT-freedom. Vote for NOT. (Always)
(And alone came the spider…)
Neologism. Cage of neologism. Life-taker bird.
Pure disaster. Delight of Destruction (sorry, Gaiman).
Precious loving true hearts. Both of them.
Both of us. (What a cliché.)
I look for nothing.
Yet…

E não conseguiu pens–

Published in: on 29 de maio de 2009 at 02:14  Comments (6)