Sassarico

“Eu sou muito fogoso.”

Muitos risos. As duas senhorinhas riam ardilosas, entreolhando-se, cúmplices, na fila do mercado ainda aberto no dia das mães.

“Meu marido já não é homem há algum tempo…” – saudosa e em ato falho. – “Fogoso! Eu quis dizer fogoso…”

“É porque sou alagoano.”, seguiu ele. “Meu pai deus o tenha foi amigo de Lampião e dizem que chegou a ter lugar no céu marcado pelo próprio Padim Ciço. E isso porque nem ia à igreja.”

As duas riram ainda mais alto. Uma chegou a ser deselegantemente histérica. Só não se sabia se de nervoso ou desejo.

“Eu era conhecido como o vulcão de Alagoas.”

“Ah, graç’adeus no Brasil não tem vulcão.”

“Tem sim, em Minas.”

“Ah, não conta, tô falando no Brasil.”

O velho era impassível e indiferente; interessava-lhe sua história.

“Eu tive quatro mulheres. Quatro.”

“Cruzes! E por que separou tanto?”

“Não separei; enviuvei.”

Tristeza e silêncio respeitoso.

“Nossa, as quatro vezes?” Cada uma buscou um ombro dele, ambas acolhedoras e carinhosas.

“É. As quatro. Nenhuma delas de morte morrida.”

Afastaram-se.

“Mas nenhuma foi culpa minha. Só a terceira. Matei mesmo de prazer.”

A atendente infeliz (só podia ser infeliz) cortou o clima: PRÓÓÓXIMO.

A outra, que ficou, segurou-lhe o braço e pediu:

“Me fala de novo. Ela morreu de que mesmo?”

“De p-r-a-z-e-r.”

Um arrepio esquecido há anos cruzou-lhe a espinha. A menina sorriu encabulada. Era um galanteador.

 

Published in: on 12 de maio de 2013 at 22:39  Deixe um comentário  

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